A Divisão Digital em Moçambique: Quando a Internet Ainda é um Luxo

Publicado em 8 de julho de 2024 (Último modificado em 6 de julho de 2025) • 5 min de leitura • 875 palavras
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Uma análise dos dados do Inquérito Demográfico e de Saúde de Moçambique 2022-23

A Divisão Digital em Moçambique: Quando a Internet Ainda é um Luxo

Imagine por um momento que a internet fosse como a água corrente - algo que consideramos essencial para a vida moderna. Agora, imagine que apenas 1 em cada 4 pessoas tivesse acesso regular a essa “água digital”. Este é o retrato actual de Moçambique, onde apenas 20% das mulheres e 33% dos homens de 15-49 anos utilizaram a internet nos últimos 12 meses.

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A Grande Divisão: Cidade vs Campo

Os dados revelam uma realidade que divide o país em dois mundos digitais distintos:

Moçambique Urbano - O Mundo Conectado:

  • 38% das mulheres e 59% dos homens acedem à internet
  • Quase 4 vezes mais conectividade que as áreas rurais
  • Um terço da população urbana vive no mundo digital

Moçambique Rural - O Deserto Digital:

  • Apenas 9% das mulheres e 15% dos homens acedem à internet
  • 85% da população rural permanece desconectada
  • A exclusão digital é ainda mais severa para as mulheres
ÁreaMulheresHomensDiferença
Urbana38%59%21 pontos
Rural9%15%6 pontos
Total20%33%13 pontos

A Persistente Desigualdade de Género

Em todas as idades e regiões, existe um padrão consistente: os homens têm sempre mais acesso à internet que as mulheres. Esta diferença não é apenas estatística - representa oportunidades perdidas, vozes silenciadas e potencial não realizado.

Acesso por Grupos Etários:

IdadeMulheresHomensGap de Género
15-1921%35%14 pontos
20-2424%45%21 pontos
25-2922%44%22 pontos
30-3423%38%15 pontos
35-3919%27%8 pontos
40-4420%25%5 pontos
45-4915%22%7 pontos

O Contraste Provincial

As diferenças regionais são dramáticas, revelando um mapa digital profundamente desigual:

Províncias Mais Conectadas:

ProvínciaHomensMulheres
Maputo Cidade82%62%
Maputo Província37%28%
Gaza27%17%

Províncias Menos Conectadas:

ProvínciaHomensMulheres
Tete18%15%
Nampula17%4%
Zambézia16%8%

Intensidade de Uso: Quando Há Acesso, Há Necessidade

Entre aqueles que acedem à internet, o uso é intenso:

  • 68% das mulheres usam-na quase todos os dias
  • 54% dos homens usam-na quase todos os dias

Isto demonstra que não é falta de interesse ou necessidade - é falta de acesso. A procura existe, mas a oferta é limitada.

O Silêncio Mediático

Para além da internet, os dados revelam uma dupla exclusão:

  • 63% das mulheres não acedem a qualquer meio de comunicação de massa numa base semanal
  • 45% dos homens estão na mesma situação
  • Apenas 18% das mulheres e 34% dos homens ouvem rádio pelo menos uma vez por semana

Os Números da Exclusão

Frequência de Uso da Internet (entre utilizadores):

FrequênciaMulheresHomens
Quase todos os dias68%54%
Pelo menos uma vez por semana22%33%
Menos de uma vez por semana10%13%

Posse de Internet nos Agregados Familiares:

ÁreaPercentagem
Urbana22%
Rural5%
Total Nacional11%

O Custo da Exclusão Digital

A exclusão digital não é apenas sobre não ter redes sociais. É sobre:

Oportunidades económicas perdidas: Sem acesso a mercados online, emprego remoto, ou negócios digitais, milhões de moçambicanos ficam fora da economia digital global.

Educação limitada: Sem acesso a recursos educativos online, cursos à distância, ou ferramentas de aprendizagem digital.

Participação cívica reduzida: Menos acesso a informação, menor participação no debate público, e exclusão dos processos democráticos digitais.

Isolamento social: Especialmente relevante durante emergências, crises de saúde, ou situações que exigem comunicação à distância.

A Metáfora da Água Digital

Se pensarmos na internet como “água digital”:

  • Maputo Cidade tem água corrente abundante (82% homens, 62% mulheres)
  • Áreas Urbanas têm torneiras funcionais mas limitadas
  • Áreas Rurais dependem de poços distantes e secos (15% homens, 9% mulheres)
  • 85% da população rural vive numa seca digital permanente

Implicações para o Desenvolvimento

Para as Políticas Públicas:

  • Investimento urgente em infraestrutura digital rural
  • Programas específicos para reduzir a desigualdade de género
  • Políticas de literacia digital direccionadas

Para o Sector Privado:

  • Oportunidades enormes em mercados ainda não explorados
  • Necessidade de modelos de negócio adaptados à realidade rural
  • Potencial para parcerias público-privadas

Para a Sociedade:

  • Reconhecimento de que a inclusão digital é uma questão de justiça social
  • Necessidade de programas de educação digital
  • Importância do acesso como direito fundamental

Conclusão

A internet em Moçambique ainda não é a “água digital” que deveria ser. É mais como um poço artesiano num deserto, concentrado em poucas oásis urbanas. Com apenas 20% das mulheres e 33% dos homens a aceder à internet, o país enfrenta uma divisão digital profunda que espelha e amplifica outras desigualdades sociais.

A diferença de 4:1 entre áreas urbanas e rurais, e a persistente desigualdade de género, representam não apenas estatísticas, mas milhões de moçambicanos que permanecem do lado errado da divisão digital. Esta exclusão tem custos económicos, sociais e políticos reais.

A questão não é se Moçambique se tornará digital - é quando e se conseguiremos fazer essa transição de forma inclusiva. Os dados mostram que quando há acesso, há uso intensivo. A procura existe. O que falta é democratizar verdadeiramente o acesso, garantindo que a revolução digital chegue a todos os cantos do país.

Enquanto não o fizermos, continuaremos a ter dois Moçambiques: um conectado e com oportunidades, outro isolado e com potencial desperdiçado. A inclusão digital não é apenas uma questão tecnológica - é uma questão de desenvolvimento humano e justiça social.


Fonte: Inquérito Demográfico e de Saúde de Moçambique 2022-23

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